A Medicina Mudou?

Tenho ouvido, com relativa frequência, que a medicina mudou. Quem não está nas redes sociais não existe, muitos dizem. Outro dia, li em um anúncio de publicidade, voltada para médicos, a seguinte frase: “Você não deve ter pacientes, nem mesmo clientes. Isso ficou no passado. Você precisa de fãs”. Será mesmo? Confesso que fiquei consternado.
Quando fui convidado para escrever este artigo me senti verdadeiramente honrado. Pensei ser uma oportunidade ímpar para trazer essa reflexão ao meio acadêmico, àqueles que me orgulham por não terem abandonado, assim como eu, o hábito da leitura, do debate científico pautado nos princípios da ética, da pesquisa científica e do compromisso com a verdade.
Vivemos nas últimas três décadas a chamada “Revolução Digital”. Ela modificou os modos da sociedade agir em todos os âmbitos, da agricultura aos maiores parques industriais do mundo todo. Nesse contexto, a comunicação também mudou e não pretendo entrar na discussão se essa mudança é positiva ou negativa pois, independentemente de qualquer opinião pessoal, isso é um fato.
Hoje muito se fala em posicionamento digital, em estar presente de forma constante, autêntica e estratégica. Criou-se o marketing de relacionamento e as redes sociais tornaram-se verdadeiras vitrines (ou mesmo palanques), onde médicos disputam a atenção do público, tentando demonstrar expertise e autoridade.
Os conselhos de ética das sociedades médicas e do Conselho Federal de Medicina já se pronunciaram algumas vezes sobre o assunto, tentando balizar até onde essa exposição é aceitável e não ultrapassa os princípios fundamentais do código de ética médica estabelecidos em 1965 atualizados pela
última vez em 2010.
Avançando nesta reflexão sobre o tema pautado, cabe o questionamento: até que ponto a maciça presença digital se sobrepõe às boas práticas médicas como determinante do sucesso profissional?Gostaria muito que esse debate não fosse necessário por me parecer óbvia a resposta, porém me dou o direito de ser incisivo e direto, para não incorrer no erro de deixar de pontuar o essencial.
Afinal, a realidade nebulosa aflora nossocotidiano, bem à nossa frente!
Nenhum discurso bem montado, nenhuma fotografia editada, nenhuma presença digital bem arquitetada, nenhum truque editorial seriam capazes de sobrepujar o médico sensível, consciente, comprometido com as bases da ética e da moral. Nenhum recurso tecnológico se sobrepõe àquele que exerce a medicina com humanidade e empatia, se dispondo a olhar, ouvir e examinar seus pacientes, acolhê-los com a sensibilidade de um pai ou uma mãe.
A prática médica baseada em excelência científica somada e o respeito ao indivíduo são preceitos da nossa profissão.
A Medicina é uma ciência e como tal deve ser encarada. Não sejamos como os três macacos do provérbio japonês que não enxergam, não veem ou não falam. Precisamos usar as novas tecnologias e ferramentas disponíveis com sabedoria, sempre a favor do paciente, e jamais com intenções promocionais.
A medicina não mudou em seus fundamentos. Talvez tenha mudado quem a pratica (sem generalizações!).
A comunicação atual é diferente e os recursos são outros. Inúmeras e muito atrativas são as “ferramentas” disponíveis. A relação médico-paciente tem sido bastante influenciada por essas mudanças, mas os princípios fundamentais, a ética, o compromisso com o paciente e a responsabilidade com o ato médico, ainda estão vivos e pujantes, e devem sempre ser o norte.
Estes valores representam a base e a essência da medicina e do cuidare nunca deverão ser abandonados. Eu quero crer nisso.
“Não sejamos como os três macacos do provérbio japonês que não enxergam, não veem ou não falam.”
Victor Dib
Mestre e Doutor em Cirurgia Digestiva
Especialista em Endoscopia Digestiva
Presidente do Capítulo Amazonas da SBCBM
Fonte: SobraNews
Edição 71 – 2022